Hoje teremos um papo muito especial com o Henrique Luís Tavares, Zootecnista da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, que nos concedeu essa entrevista tão rica sobre o mundo dos felinos selvagens do Zoo e sua alimentação.

Foto: Carlos Nader/Arquivo Zoo SP

Tudo Gato: Quando decidiu que gostaria de trabalhar com animais, você sempre teve vocação ou foi algo "acidental"? E como foi a progressão da sua carreira?

Henrique: Desde criança tenho contato e grande afinidade com animais. Sempre tive muito interesse em qualquer espécie deles. Já criei peixes, aves, coelhos, cães, gatos, répteis e até insetos. Na adolescência comecei a pesquisar as profissões ligadas ao mundo animal e encontrei na Zootecnia um curso completo, complexo e dinâmico que me proporcionou uma formação técnica especializada para atuar na criação racional dos animais em todos os seus ramos e aspectos. Graduei em Zootecnia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e me especializei na área de Alimentação e Nutrição de Animais Silvestres. Atuo desde 2006 como Zootecnista da Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP) e tenho como atribuição planejar, implementar e controlar a alimentação e a nutrição dos animais da Fundação.


TG: Quais os animais que estão sob a sua responsabilidade no zoológico?

Henrique: O Zoológico de São Paulo possui atualmente mais de 3.000 animais, representados por espécies de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e invertebrados. Conta com um corpo técnico científico capacitado e multidisciplinar formado por biólogos, engenheiros agrônomos, médicos veterinários e zootecnistas. Possuímos um Programa Completo de alimentação para animais de zoológicos compreendendo vários aspectos de manejo de dietas incluindo todos relacionados com a aquisição, armazenamento, preparação e distribuição dos alimentos.


TG: Alguns gatos domésticos gostam de variar o cardápio, com diferentes sabores e texturas, sempre atrás de novidades! Que tipo de alimentação fornecida aos felinos, carne de vaca, frango, porco etc? A carne é servida crua ou cozida? E com ossos, pelos, penas ou é previamente limpa?

Henrique: O hábito alimentar e o comportamento do gato doméstico ainda permanecem semelhantes aos dos pequenos felinos selvagens. Alguns destes comportamentos, como se alimentar de pequenas refeições durante o dia todo, é resquício de seus ancestrais selvagens que caçam diferentes presas (pequenos vertebrados e invertebrados) necessitando de várias caçadas durante as 24 horas do dia para obter suficiente alimento. O instinto predatório é tão forte nos felinos domesticados, que ainda mantêm o hábito de caça, embora sejam bem nutridos e não necessitem buscar os alimentos na natureza, como seus ancestrais.
Como os gatos domésticos, os felinos silvestres são considerados carnívoros estritos e, portanto, apresentam uma alta necessidade de proteína na dieta. Utilizamos como parte da dieta uma variedade de carnes cruas de diversos animais como: o dianteiro bovino com osso, pernil de porco com osso; músculo e coração bovino; frango e peixes nos quais retiramos o excesso de gordura antes de enviarmos aos animais para evitarmos obesidade e suplementamos com vitaminas e minerais. Quanto mais diversificado de alimentos de origem animal na dieta dos felinos maior a variabilidade e complementaridade de nutrientes essenciais.
Outro aspecto que levamos em conta para estipular o cardápio dos felinos são seus hábitos naturais. Na natureza ao se alimentarem de presas inteiras consumem além da carne (músculo), os ossos, vísceras, sangue e cérebro que fornecem todos os nutrientes necessários para a vida saudável do animal. Por isso a Fundação Parque Zoológico de São Paulo mantém um biotério onde são criados ratos, camundongos, porquinhos da índia, gerbis, esquilos da mongólia, pintinhos, galinhas caipiras, codornas e coelhos que após abatidos são enviados como fonte alimentar.
O fornecimento de um alimento equilibrado e completo em termos nutricionais é importante para promover um crescimento saudável, sucesso reprodutivo, prevenção de doenças, aumento da longevidade e o bem estar tanto dos felinos domésticos quanto dos silvestres.


TG: Como é feita a alimentação, todos os dias ou em dias alternados, sempre no mesmo horário? O meu gato, por exemplo, parece que tem um relógio embutido, chega a hora da comida e ele senta na frente do potinho esperando
a refeição, acontece o mesmo com os grandes gatos do zoológico?

Henrique: Para os felinos de pequeno e médio porte como o gato do mato, gato maracajá, gato palheiro, gato mourisco, jaguatirica, serval a alimentação é diária e em horários predeterminados. Os felinos de grande porte como leão, onça, suçuarana e tigre fazem jejum duas vezes por semana para simularmos o padrão natural de sua alimentação, pois em seus habitats estes animais não se alimentam todos os dias ou em intervalos fixos. Os felinos daqui do Zoo também aguardam ansiosos a chegada da comida trazida pelos tratadores do setor de mamíferos que as oferecem em comedouros apropriados para cada espécie.

Foto: Carlos Nader/Arquivo Zoo SP

TG: Geralmente quais as quantidades que cada espécie come por dia ou semana? Qual a diferença na quantidade entre um adulto normal, filhote e fêmea grávida?


Henrique: A família Felidae é um dos grupos com maior diversidade de carnívoros e inclui espécies que variam em tamanho que vão desde 1 kg até mais de 230 kg. As quantidades de alimentos variam desde alguns gramas de um pequeno ratinho ou pintinho consumidos por um gato do mato chegando a 15 Kg de carne bovina ingeridos por um tigre.
Para formular uma dieta para os felinos atentamos para as diferenciações nutricionais que ocorrem nas diversas fases da vida, sendo uma importante ferramenta para garantir, entre outros pontos, a longevidade do animal. Um animal em fase de crescimento, gestante ou lactante tem maiores necessidades nutricionais devido às mudanças fisiológicas imensas e rápidas destas fases, exigindo um manejo nutricional mais criterioso que um animal adulto na fase de manutenção. Adequamos as quantidades estimando o teor de energia do alimento e a necessidade energética do animal em cada uma das fases fisiológicas: crescimento, gestação, lactação, manutenção e geriatria.


TG: Hoje em dia muitos animais domésticos têm problemas de excesso de peso, pois alguns donos não seguem as recomendações de quantidade de comida ou exageram nos petiscos, além da falta de exercício, especialmente em gatos que já são dorminhocos por natureza. Existe diversificação em como a alimentação é dada aos animais, por exemplo colocar em lugares diferentes, altos ou
dentro de caixas para que eles se exercitem física e mentalmente?


Henrique: Considera-se hoje, também, que para animais silvestres o processo de alimentação não serve somente à nutrição, este também propicia interações sociais e entretenimento, o que deve ser considerado no estabelecimento do regime alimentar e no enriquecimento ambiental. Sendo assim, o Zoo mantém o Programa de Enriquecimento Comportamental Animal que tem por objetivo possibilitar um ambiente mais complexo e interativo. Este programa foi criado para melhorar a qualidade de vida dos animais mantidos em cativeiro, permitindo que assim possam apresentar comportamentos mais naturais de sua espécie. Na prática o enriquecimento ambiental alimentar consiste na introdução de variedades criativas, originais e simples nos recintos como o tipo de alimento e a maneira como ele é oferecido camuflado, inteiro, picado, congelado, dificultando o acesso, variando o tipo e frequência ou tornando a alimentação mais imprevisível. A maior parte das intervenções alimentares para felinos enfoca o modo de aquisição do alimento natural pelos carnívoros: procura, localização e captura dando ao animal oportunidade de desempenhar comportamento de caça.


TG: Gatos domésticos adoram brincar com bolinhas, penas, ratinhos e às vezes aprendem truques como trazer o brinquedo de volta ou aparecer correndo quando ouvem um sininho! Existe algum tipo de treinamento comportamental a
fim de facilitar exames físicos simples sem necessidade de tranquilizar o animal ou para facilitar a limpeza dos habitats, por exemplo, fazendo o animal ir para certa área quando chamado?

Henrique: O Zoológico de São Paulo criou no ano de 2002 o Programa de Enriquecimento Comportamental Animal (P.E.C.A.) para oferecer rotineiramente atividades de enriquecimento aos animais do Parque, do Zoo Safári e do Hospital Veterinário. Mais recentemente, o P.E.C.A. passou a desenvolver um trabalho sistemático de treinamento com algumas espécies de mamíferos visando facilitar as atividades de manejo e os procedimentos veterinários de rotina.


TG: A maioria dos nossos gatinhos ficam loucos com catnip, isso afeta os grandes felinos também?


Henrique: Existem alguns estudos demonstrando a utilização do Catnip como enriquecimento para felinos silvestres cativos como onças, leões, pumas e leopardo das neves, mas são escassos. Os felinos mordem, mastigam, esfregam ou rolam sobre a erva e fazem isso para libertar a essência das folhas, a substância química nepetalactone, que age como um ferormônio, atraindo, relaxando ou estimulando a maioria dos felinos, inclusive os grandes.


TG: Eu li em algum lugar que felinos que rugem não ronronam e vice-versa. É verdade? Você sabe qual e a explicação fisiológica?

Henrique: Alguns felinos selvagens ronronam como a suçuarana e a jaguatirica. Há uma discussão na comunidade científica de que grandes felinos que rugem não podem ronronar, mas os resultados são controversos. Segundo notícia publicada no site Pet Imagem intitulada ‘Especialistas explicam por que os gatos ronronam’ existe uma série de teorias que explicam como o ronronado acontece. Uma delas diz que o processo envolve a ativação dos nervos dentro da caixa de voz. Esses sinais nervosos causam a vibração das cordas vocais enquanto o diafragma atua como uma bomba, empurrando o ar dentro e fora das cordas vibrantes, criando assim um zumbido musical. Além dessa parte mecânica, em seu livro Feline Husbandry, o veterinário Neils C. Pederson defende que o ronronado começa com um sinal do sistema nervoso, o que significa que a atitude é voluntária, ou seja, o gato ronrona quando quer. Uma pesquisa recente revelou, ainda, que o ronronado está relacionado à liberação de endorfina no cérebro. Essa substância é liberada em situações de prazer e de dor e nervoso, isso explica porque os gatos ronronam em ambas as ocasiões.


TG: Muita gente que gosta, e as vezes até tem seus gatos domésticos, tem pavor de gatos selvagens, acha que são assassinos sanguinários e atacam tudo que se move. Eu penso que qualquer animal só é especialmente perigoso
quando ameaçado ou assustado, e normalmente animais selvagens fazem de tudo para evitar contato com os humanos, qual a sua opinião?

Henrique: Qualquer animal para se defender pode atacar por instinto seja silvestre ou doméstico. Animais selvagens normalmente fogem quando percebem a presença humana.
A Wildlife Conservation Society diz que a grande maioria dos casos de predação de animais domésticos por felinos selvagens refletem algum tipo de desequilíbrio no ecossistema local. Os felinos não têm como hábito natural atacar animais domésticos e muito menos humanos. Se o ambiente onde vivem lhes oferece áreas suficientemente grandes para sobreviver, com recursos alimentares suficientes e pouca ou nenhuma influência humana, eles tendem a evitar o homem e seus animais domésticos.


TG: O zoológico faz parte de algum programa de conservação de espécies?

Henrique: Nos últimos anos, a Fundação Parque Zoológico de São Paulo vem ampliando significativamente sua participação em comitês e programas de conservação em colaboração com outros zoológicos e organizações conservacionistas do Brasil e do exterior. Algumas das espécies protegidas por esses programas fazem parte da nossa lista de fauna ameaçada de extinção, como a harpia, o tamanduá-bandeira, o tamanduá-mirim, o mico-leão-preto, o mico-leão-de-cara-dourada, a arara-azul-de-lear, a arara-azul-grande e a ararinha-azul, esta já extinta na natureza.

Foto: Carlos Nader/Arquivo Zoo SP

TG: O que você acha do fato que a grande maioria dos gatos selvagens estão ameaçados de extinção? O que cada um de nós pode fazer para ajudar a causa dos grandes felinos?

Henrique: Dados da Associação Pró Carnívoros do IBAMA demonstram que os carnívoros, notadamente os felinos, são vítimas constantes de praticamente todas as formas de ameaça, como a caça furtiva para troféu, caça predatória para o comércio de peles, comércio de animais vivos e principalmente, eliminação de indivíduos que estejam causando prejuízo econômico a proprietários rurais, e destruição e fragmentação de habitats.
Para combater isso, devem ser instituídos mecanismos de dissuasão que impeçam a matança ilegal dos felinos selvagens e de suas presas, assim como mecanismos de fortalecimento da vigilância e do cumprimento das leis de proteção à fauna, já que atualmente os caçadores furtivos e ilegais atuam em condições de completa impunidade.
Acredito que a Educação para a Conservação é a melhor ferramenta para conservação das espécies.
Existe pouca consciência da importância dos predadores na manutenção das comunidades de suas presas naturais e da integridade dos ecossistemas naturais. Por estarem no topo da pirâmide alimentar, os carnívoros têm uma grande importância ecológica, pois podem regular a população de presas e, desta forma, influenciar toda a dinâmica do ecossistema em que vivem. Na ausência de predadores, suas presas naturais, como mamíferos herbívoros (veados), roedores (capivaras, ratos), aves (pombas), répteis (cobras) e insetos (gafanhotos) tendem a se multiplicar exponencialmente, podendo trazer sérios prejuízos à agricultura e consideráveis perdas financeiras (Leite-Pitman e Oliveira em Manual de identificação, prevenção e controle de predação por carnívoros). Portanto, a concepção de que os carnívoros são prejudiciais e que devem ser mortos sempre que possível é completamente errônea. Os carnívoros têm um importante papel na manutenção de ecossistemas estáveis e balanceados.


TG: Você tem animais de estimação? E a pergunta mais difícil de todas: qual o seu animal (selvagem ou doméstico) preferido?

Henrique: Já criei várias espécies de animais, atualmente tenho um gato e uma iguana. Dos animais selvagens tenho grande admiração pelos predadores, os carnívoros em geral como leões, lobos, aves de rapinas, jacarés, cobras, sapos entre outros. Desde pequeno sou fascinado pelos programas de televisão que mostram a interação da cadeia alimentar e da relação presa x predador. Meus preferidos aqui no Zoológico de São Paulo são os tigres, os maiores felinos do mundo.


TG: E finalmente gostaria de deixar uma mensagem aos maravilhosos leitores do Tudo Gato?

Henrique: Que cuidem bem de seus animais de estimação, domésticos ou silvestres legalizados. Dêem sempre ração balanceada e de qualidade que animais bem nutridos raramente ficam doentes. Quando tiverem dúvidas sobre alimentação e nutrição animal, consultem um Zootecnista.


Agradecemos toda a atenção que o Henrique e a equipe da Fundação Parque Zoológico São Paulo nos deu para realizar esta entrevista.

Vale a pena conferir o site do Zoo e curtir a página no Facebook! Muitas fotos e programação pra lá de especial!


Bea
twitter: @Foco_felino



4 comentarios:

Julia Merites disse...

Suuuuuuuuper legal!!!!!!!!!!

Marcelo Samegima disse...

Muito legal a entrevista, parabéns.

A rotina de um zoológico deve ser incrível. Trabalhei 2 anos no orquidário de Santos, e apesar de um número reduzido de animais, se comparado ao Zoológico, já foi incrível. So quem trabalha em locais assim, sabe que apesar das dificuldades, todos os dias quando chegamos no parque, temos uma sensação de paz incrível. Pelos cheiros da natureza, os sons, as imagens.
Todos os sentidos são aguçados, de uma forma maravilhosa.

ESMERALDA disse...

Nossa que delicia de matéria....me imaginei dentro do zoo!!!Fantástico!!!

Claudia Demarqui disse...

Melhor de todas as matérias até agora do Tudo Gato. Adorei!!! Beijos a todos

Postar um comentário

Olá!
Estamos muito gratos por receber seu comentário aqui no Tudo Gato!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...